Uma dessas palavras nuas chama-se Mara Araujo

Ah, canção que me falas de amor...

Porque me acordastes distraída em meio a um olhar qualquer, quando ainda não era o seu tempo... Porque me despertas do sono assim brutalmente, desse eu físico que dormia amortalhado e decente... Porque me chamas cheia de perspectivas e novas estações, a destrancar portas que fechei. Eclosão de raios, de brilhos de cores, desordenado, quase satânico... Ah, canção que me falas de amor... Porque chegas assim como asas, como aves, como pássaro que pisa devagar, trazendo nas penas um ajuntamento de sóis, de mares, de luas, estrelas e céus. Chegastes sanguínea, cheia de lâmpadas, entregando galáxias, beijos, e essa crueldade de desejos que não cessam nunca, como murmúrio de rio, de fonte, de mar. Porque chegastes agora nessa hora deserta, tão farto de historias e sombras, de vínculos e responsabilidades. Cogumelos ocultos que matam. Trouxestes um riso de água, um riso de planta, espécie de trepadeira que envolve, samambaias de encostas frente a um vento cruel. Um olhar conhecedor e sábio quase áspero, que quebra todos os feitiços que aprendi. Uma magia perigosa que espalha e me assusta, que estala cheia de segredos, vontades e cheiros. Ah, canção que me falas de amor... Porque me despertas assim. Porque me abristes o corpo dessa forma, tão aberta quando não podia, não devia... Porque deitar-me na alma essa malícia cheia de anêmonas, de notas dissonantes a escorrer pela casa, pelos espelhos, ralos e lençóis... Espécie de doença incurável que limita, tão cheia de braços, de ramas, essência, truques e simulações. Ah, canção que me falas de amor... Silencias, e deitas quieta... Sem rimas, sem sonhos... Sem versos